
Equipe do projeto Vi.Elas com a coordenadora Kérley Winques ao centro. (Reprodução: @projetovielas)
Quais são os nomes dos caminhos que traçamos diariamente? Para chegar no campus da UFJF, inevitavelmente passamos pela Avenida Presidente Costa e Silva ou pela Avenida Presidente Itamar Franco. Indo em direção ao centro de Juiz de Fora, no coração da cidade, temos as movimentadas Avenida Barão do Rio Branco, Rua Halfeld, Rua Batista de Oliveira, Avenida Getúlio Vargas. São 4.877 endereços na cidade. Políticos, advogados, engenheiros, médicos e membros da elite juizforana são homenageados em ruas, estradas, avenidas, travessas, alamedas e becos do município. Ao caminhar pela cidade com um olhar afiado, podemos levantar algumas questões: onde estão os nomes femininos? Quantas e quais são as mulheres que dão nomes para as vias de Juiz de Fora?

Em 1998, a antiga Rua “B”, do Loteamento Vale Verde, no Bairro São Geraldo, passou a denominar-se Rua Margarida Maria Alves. (Reprodução: @projetovielas)
536 em 4.877
Destas perguntas surgiu o projeto vi.Elas, desenvolvido na Faculdade de Comunicação da UFJF. A professora responsável pela pesquisa, Kérley Winques, conta que a ideia nasceu depois de uma caminhada pelo centro de Juiz de Fora. “Eu não sou daqui, mudei para cá em agosto de 2023, eu venho do Sul. E tenho esse hábito de realmente conhecer a cidade caminhando. E aí eu comecei a ficar inquieta em relação à ausência de ruas com nomes de mulheres nesse espaço de circulação mais intensa, que é o centro da cidade”.

Seu legado segue vivo na Marcha das Margaridas, que ecoa sua coragem e determinação. (Reprodução: @projetovielas)
A ideia foi amadurecendo e se tornou um projeto em uma turma majoritariamente formada por mulheres na disciplina de Jornalismo Digital. “Essa ausência acabou sendo uma percepção da turma também. Então nos perguntamos: por que não fazemos um trabalho multiplataforma que pudesse resgatar a memória dessas mulheres e trazer visibilidade para onde estão essas ruas?”, explica.
A pesquisa começou com a análise de dados do Censo Demográfico 2022 e – após confirmação com a Prefeitura de Juiz de Fora – o grupo chegou ao número de 4.877 vias, sendo apenas 536 com nome de mulheres. “Essa pesquisa foi um trabalho didático pedagógico para os alunos porque, muitas vezes, não há espaço para se trabalhar com análise de dados. Produção no jornalismo geralmente é muito textual e aqui nós lidamos com uma base de dados bastante extensa”, lembra Kérley.
A discrepância entre o número de homenagens feitas a homens e mulheres de mesma profissão também intriga. São 247 doutores homenageados e apenas 3 doutoras; 73 professores e 29 professoras. “Temos muitas ruas com nomes de santos e santas. E aí vamos ter uma maioria feminina. São seis ruas com nomes de santos e 23 com nomes de santas. Até brincamos em sala de aula: mulheres só são maioria quando elas são literalmente santas.”

Somente 10% das ruas de Juiz de Fora prestam homenagem às mulheres. (Foto: Twin Alvarenga)
Histórias perdidas
De acordo com a pesquisadora, um dos principais desafios da pesquisa é a questão do acesso às histórias dessas mulheres. “Muitas delas não têm nenhum registro, não conseguimos contato com os familiares e não conseguimos encontrar arquivos públicos que pudessem contar as histórias de cada uma”, destaca. Nisso, os estudantes também notaram uma desigualdade em quais memórias são preservadas e quais são levadas ao esquecimento.
A Rua Itália Cautiero Franco, localizada no bairro Chalés do Imperador, traz o nome da mãe do ex-presidente Itamar Franco e, entrando em contato com o Memorial da República Presidente Itamar Franco, o grupo conseguiu diversos registros e fotografias. Por outro lado, ao buscar dados sobre Diva Garcia – que dá nome a duas ruas no Bairro Linhares – os estudantes encontraram pouquíssimos registros. “Nós sabemos que ela foi uma líder comunitária e chega a ser citada no samba-de-enredo de uma escola de samba. Entramos em contato com a escola, mas, por ser um enredo muito antigo, ninguém sabia dizer nada sobre.”
O grupo também não encontrou arquivos históricos sobre ela em nenhum banco de dados público. “É uma história que poderia ser muito potente porque ela é uma líder comunitária. A aluna que ficou responsável pela história dela saiu no bairro caminhando, perguntando para as pessoas se existia algum familiar que pudesse resgatar algum registro, mas nada foi encontrado.”
Projeto premiado

No site, as histórias foram divididas por regiões. Essa é Francisca Lopes, homenageada em rua da região Nordeste da cidade. (Imagem: Secretaria da E.E Antônio Carlos)
O projeto vi.Elas conquistou prêmio na modalidade “Produção Laboratorial em Jornalismo Multiplataformas”, na etapa regional da Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação (Expocom), mostra competitiva de trabalhos experimentais desenvolvidos por estudantes de cursos de graduação em Comunicação no Brasil. Agora o grupo segue para a etapa nacional, que será realizada entre os dias 1º e 5 de setembro, durante o Intercom Nacional, em Vitória (ES). “No próximo semestre eu retomo com a disciplina e vamos continuar contando essas histórias. Queremos ver também quais são as praças que homenageiam mulheres”, conta Kérley.
Mais informações
Conheça o projeto vi.Elas e a história de algumas mulheres que dão nome às ruas juizforanas